quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O afeto com a desgraça

Cristovam Tadeu

Qual a semelhança entre a queda de Shummacher e as cabeças decapitadas dos presos do Maranhão tão propalados pelo jornalismo de hoje em dia? É esse afeto que não se encerra pela busca da desgraça alheia. De uns tempos pra cá há uma necessidade de explorar este tema, pela simples ânsia da audiência. Hoje é o vermelho do sangue que pauteia o nosso jornalismo. Uma pena, claro. Não é de hoje que a violência ficou banal, e, ao invés dos mentores da informação ignora-la, não: correm desesperadamente atrás na base do quanto pior,melhor. Resultado: a violência faz parte do nosso cotidiano como o feijão e o arroz, só que agora ao molho deste líquido viscoso de cor avermelhada que circula dentro de nós.
Não vejo mais forma de isso parar. Sinceramente não. A coisa tomou um rumo sem volta. Na ânsia de vender jornal, a procura por sangue é maior que a dos hemocentros. Antes, enquanto a violência chegava sorrateira (é, ela já foi isso sim), devagar e nos pegava de surpresa, nas escuras da noite e a gente não percebia, "tudo bem". Era trabalho da policia. Mas hoje não, até mesmo antes dos PMs chegarem, há uma câmera registrando tudo pra dividir conosco na hora do almoço este corpo à cabidela crua..
A câmera, esta infalível, que hoje está ao alcance das mãos, trouxe todo este sangue bem rapidinho para o nosso convívio. Os presos do Maranhão em sua chacina filmada por celular davam lições de como usar o foco, o zoom e gravar tudo para as redes nacionais e sociais. Perguntas: Como um celular entrou no presidio de Pedrinhas? Com o celular lá, como permitiram estas filmagens? E como elas foram parar na grande mídia? Responda quem sabe.
Tudo está dentro desta fragilidade do conviver humano, que hoje é assim: pai mata filho, filha mata irmã, alunas se agridem dentro da sala, bandido mata casal por 170 reais, outro mata comparsa por uma pedra de crack. Ba-na-li-zou geral e tudo transmitido em full HD. E tem aquele(a) desgraçado(a) que ainda publica no Face.
Na minha cidade houve uma briga entre dois presos. Motivo? Um tinha sido filmado e entrevistado na hora da prisão e o outro não. Era a tal briga pela audiência.
Até hoje as TVs e os jornalistas buscam marcas de sangue do piloto do F1 nos alpes franceses. Se não tiver o sangue como provar que ele caiu e bateu com a cabeça? Num mundo onde MMA é "esporte" e atraí milhares de seguidores, tal qual Roma e seus "espetáculos" sanguinolentos no Coliseu de outrora, tentar a achar marcas de sangue na neve é fichinha. Vai lá na esquina que "tá lá um corpo estendido no chão".

3 comentários:

gisleyde disse...

Parabéns pelo texto extremamente verdadeiro. Acho também que é um caminho sem volta. Lamentável.

gisleyde disse...

Parabéns pelo texto extremamente verdadeiro. Acho também que é um caminho sem volta. Lamentável.

RONALDO PONCIANO DE ASSIS disse...

Lastimável é a expressiva, pública e notória conivência ou omissão dos Senhores Empresários das Comunicações, sendo bem claro, os PROPRIETÁRIOS(DONOS) DAS EMISSORAS DE TV, RÁDIOS E JORNAIS que só se ligam em grana( muita grana mesmo ) e não estão nem aí para Conteúdo, afinal CONTEÚDO é coisa para EDUCADORES, JORNALISTAS e INTELECTUAIS !! Parabéns CRISTOVAM, excelente Artigo !!